A ligação do ser humano à poesia existe desde sempre. A sedução que ela provoca em nós e o seu mistério são-nos imprescindíveis e ajudam-nos a viver, a suportar, muitas vezes, o mundo em que vivemos, um mundo que hoje se apresenta tão estranho, tão inquieto e inquietante e sempre em mudança.
Deixamos, aqui, o nosso agradecimento ao poeta Nuno Júdice pelo seu ofício e pela sua poesia, pelo seu olhar “atento ao quotidiano” e o seu permanente espanto face ao mundo que o rodeia.
Convocando os sentimentos de todos, o poeta partilhou com os presentes as suas experiências no ofício de poeta, as suas inspirações, os seus autores de eleição e as suas leituras…
Partilhamos, aqui, o poema com que Nuno Júdice nos brindou no final do nosso encontro.
RECEITA PARA FAZER O AZUL
Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo de metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz - eu, Abraão ben Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé - e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu