[…] Eugénio de Andrade é o poeta da sua geração de quem as que vieram a seguir mais próximas se sentem. O que o coloca, em relação ao nosso tempo, numa situação de diálogo entre nós perfeitamente excecional.
Luís Miguel Nava. O essencial sobre Eugénio de Andrade. 1987. Imprensa Nacional – Casa da Moeda
Herança
É a minha herança: o sorriso,
o azul de uma pedra branca.
Posso juntar-lhe, ao acaso da memória,
um ramo de madressilva inclinado
para as abelhas que metodicamente fazem
do outono o lugar preferido do verão,
um melro que deixou o jardim público
para fazer ninho num poema meu,
um barco chamado Cavalinho na Chuva
à espera de reparação no molhe da Foz.
Deve haver mais alguma coisa,
não serei tão pobre, cometemos sempre
a injustiça de não referir, por pudor,
coisas mais íntimas: um verso de Safo
traduzido por Quasimodo, a mão
que por instantes nos pousou no joelho
e logo voou para muito longe,
as cadências do coração
teimoso em repetir que não envelheceu.
0 comentários:
Enviar um comentário