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20 março 2025

Dia Mundial da Poesia

12:45 // by Biblioteca Escolar António Nobre // No comments


21 de março

Tempo de Poesia

Todo o tempo é de poesia


Desde a névoa da manhã

à névoa do outro dia.


Desde a quentura do ventre

à frigidez da agonia


Todo o tempo é de poesia


Entre bombas que deflagram.

Corolas que se desdobram.

Corpos que em sangue soçobram.

Vidas que a amar se consagram.


Sob a cúpula sombria

das mãos que pedem vingança.

Sob o arco da aliança

da celeste alegoria.


Todo o tempo é de poesia.


Desde a arrumação ao caos

à confusão da harmonia

António Gedeão. Poesias Completas (1956-1967).


Como se faz o poema

Para falarmos do meio de obter o poema,

a retórica não serve. Trata-se de uma coisa simples, que não

precisa de requintes nem de fórmulas. Apanha-se

uma flor, por exemplo, mas que não seja dessas flores que crescem

no meio do campo, nem das que se vendem nas lojas

ou nos mercados. É uma flor de sílabas, em que as

pétalas são as vogais, e o caule uma consoante. Põe-se

no jarro da estrofe, e deixa-se estar. Para que não morra,

basta um pedaço de primavera na água, que se vai

buscar à imaginação, quando está um dia de chuva,

ou se faz entrar pela janela, quando o ar fresco

da manhã enche o quarto de azul. Então,

a flor confunde-se com o poema, mas ainda não é

o poema. Para que ele nasça, a flor precisa

de encontrar cores mais naturais do que essas

que a natureza lhe deu. Podem ser as cores do teu

rosto - a sua brancura, quando o sol vem ter contigo,

ou o fundo dos teus olhos em que todas as cores

da vida se confundem, com o brilho da vida. Depois,

deito essas cores sobre a corola, e vejo-as descerem

para as folhas, como a seiva que corre pelos

veios invisíveis da alma. Posso, então, colher a flor,

e o que tenho na mão é este poema que

me deste.


Nuno Júdice | Geometria Variável | Publicações Dom Quixote, 2005


O Poema

O poema não é o canto

que do grilo para a rosa cresce.

O poema é o grilo

é a rosa

e é aquilo que cresce.

É o pensamento que exclui

uma determinação

na fonte donde ele flui

e naquilo que descreve.

O poema é o que no homem

para lá do homem se atreve.

Os acontecimentos são pedras

e a poesia transcendê-las

na já longínqua noção

de descrevê-las.

E essa própria noção é só

uma saudade que se desvanece

na poesia. Pura intenção

de cantar o que não conhece.

Natália Correia


Arte poética

Encontrei a poesia antes de saber que havia literatura. Pensava que os poemas não eram escritos por ninguém, que existiam em si mesmos, que eram como um elemento do natural, que estavam suspensos, imanentes. E que bastaria estar muito quieta, calada e atenta para os ouvir.

Desse encontro inicial ficou em mim a noção de que fazer versos é estar atento e de que o poeta é um escutador.

Sophia de Mello Breyner Andresen. “Arte poética IV”, Dual, in Obra Poética III, Lisboa: Caminho, 1991.


O poeta

Foi visto

(diversas vezes) com uma 

caneta na mão. Nem 

tentava disfarçar. Sentava-se à mesa consigo

(sempre

cingido de livros) e escutem: 

o que fazia era 

escrever poemas. Sei muito bem o que digo.

Ele fazia poemas. Os outros 

passavam ao largo

(fugindo a qualquer pergunta) ele nem 

sequer escondia o que ali estava a fazer. Ali 

à frente de todos. Linhas e linhas escritas.

Não se limitava apenas a viver a sua vida.

Sei muito bem o 

que digo. Aquilo eram 

poemas.


João Luís Barreto Guimarães


Liberdade

O poema é

A liberdade


Um poema não se programa

Porém a disciplina

— Sílaba por sílaba —

O acompanha


Sílaba por sílaba

O poema emerge

— Como se os deuses o dessem

O fazemos


Sophia de Mello Breyner Andresen, in O Nome das Coisas


Ver claro

Toda a poesia é luminosa, até

a mais obscura.

O leitor é que tem às vezes,

em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.

E o nevoeiro nunca deixa ver claro.

Se regressar

outra vez e outra vez

e outra vez

a essas sílabas acesas

ficará cego de tanta claridade.

Abençoado seja se lá chegar.


Eugénio de Andrade. Os Sulcos da Sede. Porto: Fundação Eugénio de Andrade, 2021.








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